sexta-feira, 6 de dezembro de 2019

Capítulo II

CAPÍTULO II
2 ESCOLA SEM PARTIDO: POLITICAGEM VERSUS EDUCAÇÃO

Desde 2014 tramita no Congresso Nacional a ideia de um projeto de lei chamado “Escola Sem Partido” que visa tirar a liberdade dos educandos quando o assunto for política. Inclusive querem proibir menções à figuras de esquerda e até à figuras teoricamente tidas como de esquerda, mesmo que tais figuras nem tenham se metido em qualquer partido como é o caso de Paulo Freire ao qual chamam de “comunista” mas que teorizava de fato diretamente sobre a melhoria da educação e não sobre sistemas de governo. Proibir que se mencione Paulo Freire em sala de aula é uma grande estupidez.

Coisas que já estão na constituição, mas não são cumpridas, como a obediência ao Estado Laico são usadas como desculpas nesse projeto de lei para proibir que se mencione religiões em sala de aula, o que o Estado Laico não prega, pelo contrário, o que se prega é que não se obrigue a seguir ritos de qualquer religião ou mesmo se disseminem ideias ateístas como se querendo obrigar os educandos e funcionários públicos a seguir também essa vertente, uma vez que o Estado Também não é ateu; ou seja, o Estado Laico proíbe a difusão como modo de propaganda a fim de converter ou desconverter a tal ou de qualquer religião, mesmo que atribuam a tal religião um pseudônimo científico, chamem de mitologia, “ciências ocultas”, “mentalismo”, etc. E o projeto “Escola sem partido” se utiliza da desinformação para tentar manipular as mentes e dar mais amplidão às ideias de direita como forma de em seguida seja possível se dar um golpe militar.

Porque abordar aqui este projeto ou anteprojeto (como está sendo chamado por muitos)? Porque ele fere direitos da Constituição diretamente como por exemplo a liberdade de expressão e o livre direito de ensinar e de aprender e mais do que isso, porque fará justamente o oposto do que este artigo se propõe se por acaso passar um dia no Congresso e for posto em prática; seria um prejuízo geral no país. Seria o maior retrocesso educacional sofrido no Brasil e este artigo visa justamente o progresso, portanto, temos que expor aquilo que deve ser evitado.

Como não adianta falar e não mostrar o projeto, segue abaixo o projeto de lei de 2015 número 867: 

“ PROJETO DE LEI Nº 867 , DE 2015
(Do Sr. Izalci)

Inclui, entre as diretrizes e bases da educação nacional, o "Programa Escola sem Partido".

O Congresso Nacional decreta:

Art.1º. Esta lei dispõe sobre a inclusão entre as diretrizes e bases da educação nacional do "Programa Escola sem Partido”.

Art. 2º. A educação nacional atenderá aos seguintes princípios:

I - neutralidade política, ideológica e religiosa do Estado;

II - pluralismo de ideias no ambiente acadêmico;

III - liberdade de aprender, como projeção específica, no campo da educação, da liberdade de consciência;

IV - liberdade de crença;

V - reconhecimento da vulnerabilidade do educando como parte mais fraca na relação de aprendizado;

VI - educação e informação do estudante quanto aos direitos compreendidos em sua liberdade de consciência e de crença;

VII - direito dos pais a que seus filhos recebam a educação moral que esteja de acordo com suas próprias convicções.

Art. 3º. São vedadas, em sala de aula, a prática de doutrinação política e ideológica bem como a veiculação de conteúdos ou a realização de atividades que possam estar em conflito com as convicções religiosas ou morais dos pais ou responsáveis pelos estudantes.

§ 1º. As escolas confessionais e as particulares cujas práticas educativas sejam orientadas por concepções, princípios e valores morais, religiosos ou ideológicos, deverão obter dos pais ou responsáveis pelos estudantes, no ato da matrícula, autorização expressa para a veiculação de conteúdos identificados com os referidos princípios, valores e concepções.

§ 2º. Para os fins do disposto no § 1º deste artigo, as escolas deverão apresentar e entregar aos pais ou responsáveis pelos estudantes material informativo que possibilite o conhecimento dos temas ministrados e dos enfoques adotados.

Art. 4º. No exercício de suas funções, o professor:

I - não se aproveitará da audiência cativa dos alunos, com o objetivo de cooptá-los para esta ou aquela corrente política, ideológica ou partidária;

II - não favorecerá nem prejudicará os alunos em razão de suas convicções políticas, ideológicas, morais ou religiosas, ou da falta delas;

III - não fará propaganda político-partidária em sala de aula nem incitará seus alunos a participar de manifestações, atos públicos e passeatas;

IV - ao tratar de questões políticas, sócio-culturais (SIC) e econômicas, apresentará aos alunos, de forma justa, as principais versões, teorias, opiniões e perspectivas concorrentes a respeito;

V - respeitará o direito dos pais a que seus filhos recebam a educação moral que esteja de acordo com suas próprias convicções;

VI - não permitirá que os direitos assegurados nos itens anteriores sejam violados pela ação de terceiros, dentro da sala de aula.

Art. 5º. Os alunos matriculados no ensino fundamental e no ensino médio serão informados e educados sobre os direitos que decorrem da liberdade de consciência e de crença assegurada pela Constituição Federal, especialmente sobre o disposto no art. 4º desta Lei.

§ 1º. Para o fim do disposto no caput deste artigo, as escolas afixarão nas salas de aula, nas salas dos professores e em locais onde possam ser lidos por estudantes e professores, cartazes com o conteúdo previsto no Anexo desta Lei, com, no mínimo, 70 centímetros de altura por 50 centímetros de largura, e fonte com tamanho compatível com as dimensões adotadas.

§ 2º. Nas instituições de educação infantil, os cartazes referidos no § 1º deste artigo serão afixados somente nas salas dos professores.

Art. 6º. Professores, estudantes e pais ou responsáveis serão informados e educados sobre os limites éticos e jurídicos da atividade docente, especialmente no que tange aos princípios referidos no art. 1º desta Lei.

Art. 7º. As secretarias de educação contarão com um canal de comunicação destinado ao recebimento de reclamações relacionadas ao descumprimento desta Lei, assegurado o anonimato.

Parágrafo único. As reclamações referidas no caput deste artigo deverão ser encaminhadas ao órgão do Ministério Público incumbido da defesa dos interesses da criança e do adolescente, sob pena de responsabilidade.

Art. 8º. O disposto nesta Lei aplica-se, no que couber:

I - aos livros didáticos e paradidáticos;

II - às avaliações para o ingresso no ensino superior;

III - às provas de concurso para o ingresso na carreira docente;

IV - às instituições de ensino superior, respeitado o disposto no art. 207 da Constituição Federal.

Art. 9º. Esta Lei entrará em vigor na data de sua publicação.

ANEXO

DEVERES DO PROFESSOR

I - O Professor não se aproveitará da audiência cativa dos alunos, com o objetivo de cooptá-los para esta ou aquela corrente política, ideológica ou partidária.

II - O Professor não favorecerá nem prejudicará os alunos em razão de suas convicções políticas, ideológicas, morais ou religiosas, ou da falta delas.

III - O Professor não fará propaganda político-partidária em sala de aula nem incitará seus alunos a participar de manifestações, atos públicos e passeatas.

IV - Ao tratar de questões políticas, sócio-culturais (SIC) e econômicas, o professor apresentará aos alunos, de forma justa – isto é, com a mesma profundidade e seriedade –, as principais versões, teorias, opiniões e perspectivas concorrentes a respeito.

V - O Professor respeitará o direito dos pais a que seus filhos recebam a educação moral que esteja de acordo com suas próprias convicções.

VI - O Professor não permitirá que os direitos assegurados nos itens anteriores sejam violados pela ação de terceiros, dentro da sala de aula.

JUSTIFICAÇÃO

Esta proposição se espelha em anteprojeto de lei elaborado pelo movimento Escola sem Partido (www.escolasempartido.org) – “uma iniciativa conjunta de estudantes e pais preocupados com o grau de contaminação político-ideológica das escolas brasileiras, em todos os níveis: do ensino básico ao superior” –, cuja robusta justificativa subscrevemos:1

“É fato notório que professores e autores de livros didáticos vêm-se utilizando de suas aulas e de suas obras para tentar obter a adesão dos estudantes a determinadas correntes políticas e ideológicas; e para fazer com que eles adotem padrões de julgamento e de conduta moral – especialmente moral sexual – incompatíveis com os que lhes são ensinados por seus pais ou responsáveis.

Diante dessa realidade – conhecida por experiência direta de todos os que passaram pelo sistema de ensino nos últimos 20 ou 30 anos –, entendemos que é necessário e urgente adotar medidas eficazes para prevenir a prática da doutrinação política e ideológica nas escolas, e a usurpação do direito dos pais a que seus filhos recebam a educação moral que esteja de acordo com suas próprias convicções.

Trata-se, afinal, de práticas ilícitas, violadoras de direitos e liberdades fundamentais dos estudantes e de seus pais ou responsáveis, como se passa a demonstrar:

1 - A liberdade de aprender – assegurada pelo art. 206 da Constituição Federal – compreende o direito do estudante a que o seu conhecimento da realidade não seja manipulado, para fins políticos e ideológicos, pela ação dos seus professores;

2 - Da mesma forma, a liberdade de consciência, garantida pelo art. 5º, VI, da Constituição Federal, confere ao estudante o direito de não ser doutrinado por seus professores;

3 - O caráter obrigatório do ensino não anula e não restringe a liberdade de consciência do indivíduo. Por isso, o fato de o estudante ser obrigado a assistir às aulas de um professor implica para esse professor o dever de não utilizar sua disciplina como instrumento de cooptação político-partidária ou ideológica;

4 - Ora, é evidente que a liberdade de aprender e a liberdade de consciência dos estudantes restarão violadas se o professor puder se aproveitar de sua audiência cativa para promover em sala de aula suas próprias concepções políticas, ideológicas e morais;

5 - Liberdade de ensinar – assegurada pelo art. 206, II, da Constituição Federal – não se confunde com liberdade de expressão; não existe liberdade de expressão no exercício estrito da atividade docente, sob pena de ser anulada a liberdade de consciência e de crença dos estudantes, que formam, em sala de aula, uma audiência cativa; 

6 - De forma análoga, não desfrutam os estudantes de liberdade de escolha em relação às obras didáticas e paradidáticas cuja leitura lhes é imposta por seus professores, o que justifica o disposto no art. 8º, I, do projeto de lei; 

7 - Além disso, a doutrinação política e ideológica em sala de aula compromete gravemente a liberdade política do estudante, na medida em que visa a induzi-lo a fazer determinadas escolhas políticas e ideológicas, que beneficiam, direta ou indiretamente as políticas, os movimentos, as organizações, os governos, os partidos e os candidatos que desfrutam da simpatia do professor;

8 - Sendo assim, não há dúvida de que os estudantes que se encontram em tal situação estão sendo manipulados e explorados politicamente, o que ofende o art. 5º do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), segundo o qual “nenhuma criança ou adolescente será objeto de qualquer forma de exploração”;

9 - Ao estigmatizar determinadas perspectivas políticas e ideológicas, a doutrinação cria as condições para o bullying político e ideológico que é praticado pelos próprios estudantes contra seus colegas. Em certos ambientes, um aluno que assuma publicamente uma militância ou postura que não seja a da corrente dominante corre sério risco de ser isolado, hostilizado e até agredido fisicamente pelos colegas. E isso se deve, principalmente, ao ambiente de sectarismo criado pela doutrinação;

10 - A doutrinação infringe, também, o disposto no art. 53 do Estatuto da Criança e do Adolescente, que garante aos estudantes “o direito de ser respeitado por seus educadores”. Com efeito, um professor que deseja transformar seus alunos em réplicas ideológicas de si mesmo evidentemente não os está respeitando;

11 - A prática da doutrinação política e ideológica nas escolas configura, ademais, uma clara violação ao próprio regime democrático, na medida em que ela instrumentaliza o sistema público de ensino com o objetivo de desequilibrar o jogo político em favor de determinados competidores;

12 - Por outro lado, é inegável que, como entidades pertencentes à Administração Pública, as escolas públicas estão sujeitas ao princípio constitucional da impessoalidade, e isto significa, nas palavras de Celso Antonio Bandeira de Mello (Curso de Direito Administrativo, Malheiros, 15ª ed., p. 104), que “nem favoritismo nem perseguições são toleráveis. Simpatias ou animosidades pessoais, políticas ou ideológicas não podem interferir na atuação administrativa e muito menos interesses sectários, de facções ou grupos de qualquer espécie.”;

13 - E não é só. O uso da máquina do Estado – que compreende o sistema de ensino – para a difusão das concepções políticas ou ideológicas de seus agentes é incompatível com o princípio da neutralidade política e ideológica do Estado, com o princípio republicano, com o princípio da isonomia (igualdade de todos perante a lei) e com o princípio do pluralismo político e de ideias, todos previstos, explícita ou implicitamente, na Constituição Federal;

14 - No que tange à educação moral, referida no art. 2º, VII, do projeto de lei, a Convenção Americana sobre Direitos Humanos, vigente no Brasil, estabelece em seu art. 12 que “os pais têm direito a que seus filhos recebam a educação religiosa e moral que esteja de acordo com suas próprias convicções”;

15 - Ora, se cabe aos pais decidir o que seus filhos devem aprender em matéria de moral, nem o governo, nem a escola, nem os professores têm o direito de usar a sala de aula para tratar de conteúdos morais que não tenham sido previamente aprovados pelos pais dos alunos;

16 - Finalmente, um Estado que se define como laico – e que, portanto deve ser neutro em relação a todas as religiões – não pode usar o sistema de ensino para promover uma determinada moralidade, já que a moral é em regra inseparável da religião; 

17. Permitir que o governo de turno ou seus agentes utilizem o sistema de ensino para promover uma determinada moralidade é dar-lhes o direito de vilipendiar e destruir, indiretamente, a crença religiosa dos estudantes, o que ofende os artigos 5º, VI, e 19, I, da Constituição Federal.

Ante o exposto, entendemos que a melhor forma de combater o abuso da liberdade de ensinar é informar os estudantes sobre o direito que eles têm de não ser doutrinados por seus professores.

Nesse sentido, o projeto que ora se apresenta está em perfeita sintonia com o art. 2º da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, que prescreve, entre as finalidades da educação, o preparo do educando para o exercício da cidadania. Afinal, o direito de ser informado sobre os próprios direitos é uma questão de estrita cidadania. 

Urge, portanto, informar os estudantes sobre o direito que eles têm de não ser doutrinados por seus professores, a fim de que eles mesmos possam exercer a defesa desse direito, já que, dentro das salas de aula, ninguém mais poderá fazer isso por eles.

Note-se por fim, que o projeto não deixa de atender à especificidade das instituições confessionais e particulares cujas práticas educativas sejam orientadas por concepções, princípios e valores morais, às quais reconhece expressamente o direito de veicular e promover os princípios, valores e concepções que as definem, exigindo-se, apenas, a ciência e o consentimento expressos por parte dos pais ou responsáveis pelos estudantes.”

Frisamos mais uma vez que projetos de lei semelhantes ao presente – inspirados em anteprojeto de lei elaborado pelo Movimento Escola sem Partido (www.escolasempartido.org) – já tramitam nas Assembleias Legislativas dos Estados do Rio de Janeiro, São Paulo, Goiás e Espírito Santo, e na Câmara Legislativa do Distrito Federal; e em dezenas de Câmaras de Vereadores (v.g., São Paulo-SP, Rio de Janeiro-RJ, Curitiba-PR, Vitória da Conquista-BA, Toledo-PR, Chapecó-SC, Joinville-SC, Mogi Guaçu-SP, Foz do Iguaçu-PR, etc.), tendo sido já aprovado nos Municípios de Santa Cruz do Monte Carmelo-PR e Picuí-PB.

Pelas razões expostas, esperamos contar com o apoio dos Nobres Pares para aprovação deste Projeto de Lei.
Sala das Sessões, em 23 de março de 2015.
Deputado IZALCI
PSDB/DF
ESP.MFUN.NGPS.2015.03.18”

2.1 : ESCOLA SEM PARTIDO: A LEI DA MORDAÇA:

Por ser de fato uma lei da mordaça, assim como aquela lei que o Maluf tentou implantar para que ganhasse 10 (dez) vezes o valor de processo sobre cada jornalista que o acusasse de alguma coisa que ele não fosse preso, que no Jornal Delfos de Pacoti, no antigo site http://jornaldelfos.net76.net não mais acessível pus uma charge junto à notícia que titulei de “Lei da mordaça” para “Lei enrica Maluf”, esse projeto de lei da “Escola sem partido” também está sendo chamado de “Lei da mordaça”, e não há nome mais apropriado do que esse.

A seguir, artigos de repercussão e protestos, prós e contras da “Escola em partido”, que se passar algum dia será o maior retrocesso educacional do Brasil causado por politicagem a fim de restabelecer novamente um regime de ditaduras, como foi a nossa história desde sempre, temos de fato poucos anos de democracia e ainda nem aprendemos direito a lidar com ela, já querem nos tirar com golpe sobre golpe. 

Os professores já são avaliados erroneamente no Brasil, na maioria dos casos, seja por incompetência dos gestores que são indicados politicamente por meio de apadrinhamento e não por concursos públicos, quando muito por seleções de no máximo 1 (um) ano, uma lei desse tipo “escola sem partido” fará com que além de muitos perderem o emprego ainda mais rápido, o eu por si já piora o aprendizado, uma vez que diminui o estímulo proximal, defendido por Vigotsky, Paulo Freire e outros teóricos “papas” da educação, ainda impossibilitarão esses profissionais de arranjarem outro emprego em outras escolas pela deturpação absurda de julgar o que é correto como errado e o que é errado como correto:

“MPF diz que Escola sem Partido é inconstitucional e impede o pluralismo

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• 22/07/2016 19h50
• Brasília
Heloisa Cristaldo - Repórter da Agência Brasil *

O Ministério Público Federal (MPF) encaminhou hoje (22) ao Congresso Nacional nota técnica em que aponta a inconstitucionalidade do projeto de lei que inclui o Programa Escola sem Partido entre as diretrizes e bases da educação nacional.

Para Deborah Duprat, o projeto pretende acabar com a doutrinação ideológica nas escolas Arquivo/Valter Campanato/Agência Brasil

Para a procuradora federal dos Direitos do Cidadão Deborah Duprat, responsável pela nota, o PL 867/2015 “nasce marcado pela inconstitucionalidade”. O documento defende que, sob o pretexto de defender princípios como a "neutralidade política, ideológica e religiosa do Estado", assim como o "pluralismo de ideias no ambiente acadêmico", o Programa Escola sem Partido coloca o professor em constante vigilância, principalmente para evitar que afronte as convicções morais dos pais.

"O projeto subverte a atual ordem constitucional por inúmeras razões: confunde a educação escolar com aquela fornecida pelos pais e, com isso, os espaços público e privado, impede o pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas, nega a liberdade de cátedra e a possibilidade ampla de aprendizagem e contraria o princípio da laicidade do Estado – todos esses direitos previstos na Constituição de 88", destacou Deborah Duprat.

Segundo ela, a escola, ao possibilitar a cada qual o pleno desenvolvimento de suas capacidades e ao preparar para o exercício da cidadania, "tem de estar necessariamente comprometida com todo o tipo de pluralismo”.

De acordo com a procuradora, o projeto da Escola sem Partido pretende acabar com a doutrinação ideológica nas escolas, "impedindo que professores expressem a opinião em torno de temas políticos. Também impede o debate sobre questões de gênero".

Em junho, a Faculdade de Educação da UnB divulgou nota se posicionando contra a proposta, apresentada ano passado à Câmara dos Deputados, Senado Federal, Câmara Legislativa do Distrito Federal e legislativos estaduais e municipais do Brasil. Até o momento, 19 estados brasileiros têm projetos de lei semelhantes segundo levantamento realizado pelo portal Educação e Participação. 

"O projeto de lei que propõe criminalizar professores sensíveis aos temas dos direitos humanos representa uma grave ameaça ao livre exercício da docência e constitui um retrocesso na luta histórica de combate à cultura do ódio, à discriminação e ao preconceito contra mulheres, negros, indígenas, população LGBTT [Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Transgêneros], comunidades tradicionais e outros segmentos sociais vulneráveis", acrescentou a nota.

Alagoas é o primeiro estado do Brasil a ter uma lei que exige do professor a neutralidade em sala de aula. O Projeto Escola Livre foi aprovado em 26 de abril, quando deputados da assembleia local derrubaram o veto do governador Renan Filho (PMDB).

AGU

Questionado no Supremo Tribunal Federal (STF) por meio de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade, o projeto recebeu posicionamento contrário da Advocacia-Geral da União (AGU).

Para a AGU, a lei é inconstitucional porque a competência para “elaboração das normas gerais foi atribuída à União, que legisla no interesse nacional, estabelecendo diretrizes que devem ser observadas pelos demais entes federados. Aos estados e ao Distrito Federal cabem suplementar a legislação nacional”, acrescentou o órgão.

A AGU incluiu em seu posicionamento que a Confederação dos Trabalhadores em Estabelecimento de Ensino (Contee), autora do questionamento, não reúne condições legais para propor a ação.

Para ouvir a sociedade sobre o tema, o Senado lançou esta semana uma enquete em que o cidadão pode opinar contra ou a favor do Projeto de Lei 193/2016, do senador Magno Malta (PR-ES), que inclui entre as diretrizes e bases da educação nacional o Programa Escola sem Partido. 

Procurada pela Agência Brasil a Organização Escola sem Partido não retornou até a publicação do texto.

*Com informações do Portal EBC
Edição: Armando Cardoso”

“15/07/2016 12h16 - Atualizado em 15/07/2016 13h10

Após protesto, vereador retira projeto sobre 'Escola sem Partido' em MG

Proposta de lei pretende atender princípios de neutralidade política e religiosa.

Grupo manifestou-se contra tramitação em Juiz de Fora nesta quinta-feira (14).
Do G1 Zona da Mata

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Manifestantes fizeram protesto contra projeto de lei sobre a criação do 'Programa Escola sem Partido' em Juiz de Fora (Foto: Reprodução/TV Integração)

Após protesto de grupos contrários, o vereador André Mariano (PSC) retirou de tramitação o projeto de lei sobre a criação do "Programa Escola sem Partido" em Juiz de Fora. O vereador anunciou a decisão na manhã desta sexta-feira (15) no plenário, durante o último dia de reunião do período legislativo de julho.

De acordo com a assessoria da Câmara, ele informou que a retirada é temporária, por 90 dias. A audiência pública que havia sido agendada para o dia 17 de agosto foi desmarcada e, que quando o projeto voltar à tramitação, será reagendada. O G1 solicitou um posicionamento do vereador e aguarda retorno.

Na noite desta quinta-feira (14), representantes de grupos ligados a estudantes, professores, movimentos sociais e partidos políticos estiveram no Legislativo para protestar contra a proposta. Eles queriam a retirada do projeto de tramitação, mas, até então, o vereador afirmou que manteria a proposta.

A Polícia Militar (PM) informou que a manifestação reuniu cerca de 150 pessoas e que transcorreu pacificamente, sem registro de Boletim de Ocorrência (BO).

De acordo com a assessoria da Câmara, o Projeto de Lei entrou em tramitação no dia 6 de julho e está na Comissão de Constituição e Justiça, que solicitou um parecer do setor jurídico quanto à constitucionalidade do projeto, procedimento normal de análise das propostas.

As atividades na Câmara Municipal serão retomadas na segunda quinzena de agosto.

'Programa Escola sem Partido'

A proposta criaria o "Programa Escola sem Partido" no âmbito do sistema municipal de ensino. A norma seria vigente nas escolas públicas, confessionais e particulares, que teriam que seguir as atividades elencadas como permitidas ao professor no exercício da função. Segundo o projeto, as escolas devem informar aos pais e responsáveis sobre limites éticos e jurídicos da atividade docente.

O Projeto de Lei pretende atender aos princípios de neutralidade política, ideológica e religiosa do Estado; pluralismo de ideias no ambiente acadêmico; liberdade de consciência e de crença; liberdade de ensinar e de aprender; reconhecimento da vulnerabilidade do educando como parte mais fraca na relação de aprendizado; educação e informação do estudante quanto aos direitos compreendidos em sua liberdade de consciência e de crença e o direito dos pais a que seus filhos recebam a educação moral que esteja de acordo com as próprias convicções.

O projeto destacou também que o poder público "não se imiscuirá na orientação sexual dos alunos nem permitirá qualquer prática capaz de comprometer ou direcionar o natural desenvolvimento de sua personalidade, em harmonia com a respectiva identidade biológica de sexo, sendo vedada, especialmente, a aplicação dos postulados da ideologia de gênero".

Além disso, veda a prática de doutrinação política e ideológica bem como a veiculação de conteúdos ou a realização de atividades de cunho religioso ou moral que possam estar em conflito com as convicções dos pais ou responsáveis pelos estudantes.

O projeto ainda prevê a afixação de cartazes nas salas de aula, nas salas dos professores e em locais onde possam ser lidos por estudantes e professores, com o conteúdo previsto no anexo da lei.

Apesar de não prever punições, o projeto orienta que as reclamações relacionadas ao descumprimento da lei serão dirigidas, sob garantia de anonimato, à Secretaria de Educação, e encaminhadas, sob pena de responsabilidade, ao órgão do Ministério Público incumbido da defesa dos interesses da criança e do adolescente.

Protesto

O protesto começou com a reunião dos manifestantes no Parque Halfeld em frente à Câmara. Algumas pessoas seguravam cartazes com os dizeres "os educadores não aceitam mordaças".

Discursos lembraram que o objetivo era demonstrar a insatisfação contra a possibilidade de ser criada uma lei municipal sobre o assunto, como disse o estudante e um dos organizadores, André Gomes. “Estamos aqui para manifestar de forma pacífica, conscientes, com alunos e professores. Esse projeto ataca principalmente a liberdade de expressão da população e do professor, que está garantida por lei no artigo 203 da Constituição”, ressaltou.

O projeto não estava na pauta da reunião desta quinta-feira. Depois que os manifestantes entraram no Legislativo, a reunião foi suspensa e uma comissão se reuniu a portas fechadas com o vereador André Mariano. Os demais manifestantes esperaram do lado de fora da sala. Na ocasião, o vereador não retirou o projeto de tramitação, mas se comprometeu a participar do debate na audiência pública.

A diretora da Confederação Nacional dos Professores, Cristina Castro, destacou que tanto a Constituição quanto a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) asseguram que o ensino seja plural, democrático, crítico e participativo. Na avaliação dela, o formato desse projeto de lei pode prejudicar o trabalho ao torná-lo refém da interpretação de outros.

"Eu costumo dizer que é um projeto que inviabiliza os porquês. Torna o conhecimento, a fala e o ensinamento do professor digno de interpretação de terceiros. Você ensina escravidão, se você for falar os porquês da escravidão, você pode ser penalizado. Nacionalmente há outro projeto que inclusive penaliza o professor com prisão a depender da forma como ele for interpretado pelo que ele diz", criticou.”

“LEI DA MORDAÇA

Projeto Escola sem Partido é mais autoritário que currículo educacional da ditadura

Para professor, em vez de disciplinas, o projeto está criando uma ideologia que propõe voltar a cultivar valores nacionalistas

por Rodrigo Gomes, da RBA publicado 14/07/2016 11:58

VITOR / CB/DA PRESS

Hasteamento da bandeira em escola pública do DF, em 1975, quando o nacionalismo era disciplina obrigatória

São Paulo – O projeto Escola sem Partido, que alega combater a doutrinação de esquerda nas escolas e defender uma educação supostamente neutra, tem um viés mais autoritário que o currículo educacional desenvolvido durante a ditadura (1964-1985), na avaliação do professor Alexandre Pianelli Godoy, doutor em História Social pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). “Por incrível que pareça, embora no período da ditadura houvesse os guias curriculares e certa vigilância sobre o professor e o conteúdo que seria dado, os docentes não eram pressionados a ensinar desta ou daquela maneira”, afirmou.

O Escola sem Partido foi idealizado em 2004, pelo procurador do estado de São Paulo Miguel Nagib, que enxergou conteúdo ideológico após um professor de sua filha citar que o revolucionário argentino Che Guevara e o santo católico São Francisco de Assis, abandonaram a riqueza pela causa que acreditavam.

O projeto determina que sejam afixados em salas de aula cartazes com os deveres do professor. Os principais pontos do projeto são impedir qualquer afronta às convicções religiosas ou morais dos pais e dos alunos e impedir a apresentação de "conteúdo ideológico" para os estudantes – nesse caso há uma evidente partidarização, pois somente conteúdos considerados de esquerda são citados.

Para Godoy, ao definir o que não pode ser dito em sala de aula, impondo as convicções morais e religiosas das famílias tradicionais sobre o conteúdo das disciplinas, o Escola sem Partido expõe sua própria partidarização. “Há um retrocesso e uma visão autoritária que estão se voltando contra os conteúdos. Viver em uma democracia com práticas autoritárias acaba com o debate de ideias e com a própria democracia. É preciso que o professor tenha uma prática plural, diversa e que dê espaço para o livre debate e que os alunos se posicionem e discutam”, afirmou.

No período ditatorial, os alunos do primário – atual ensino fundamental I – conviviam com uma disciplina chamada Educação Moral e Cívica, que basicamente exaltava a nação por meio de eventos festivos e afirmação dos símbolos nacionais. No ginásio e no colegial – que hoje correspondem aos fundamental II e ensino médio – os estudantes recebiam conteúdos de Organização Social e Política do Brasil (OSPB), que reunia disciplinas da área de ciências humanas (geografia e história), com o mesmo objetivo da matéria anterior.

“A Educação Moral e Cívica pretendia moldar os alunos, mas não dispunha de atividades pedagógicas competentes”, argumentou o professor. Desse modo, os professores tinham certa “liberdade para trabalhar”, já que não havia modelos rígidos de como atuar em sala de aula. Diferentemente do que pretende o Escola sem Partido.

“Em vez de uma disciplina, o Escola sem Partido está criando uma ideologia que propõe voltar a cultivar valores nacionalistas, mas que na verdade escondem como se formou o nosso país: por meio de lutas, de conquistas, da dizimação de indígenas, escravidão dos negros. Não se pode tomar a história brasileira por meio de eventos festivos (como se fez na ditadura), é preciso problematizar”, avaliou.

Segundo o doutor em Educação e professor emérito da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Luiz Antônio Cunha, a ditadura não fez grandes mudanças em relação ao modelo educacional que vinha sendo implementado no país desde o Estado Novo (1937-1945). "Não houve necessidade de um projeto, porque o que eles queriam já estava sendo aplicado: esvaziamento das matérias, unificação do ensino fundamental, adoção do modelo americano", disse.

A OSPB, inclusive, fora criada em 1962 pelo educador Anísio Teixeira (1900-1971), com o objetivo de discutir os processos democráticos, os direitos políticos e deveres do cidadão constantes da Constituição, baseado em modelos franceses e estadunidenses. A principal ação implementada pela ditadura foi a vigilância sobre os professores e a ideologização da educação como um instrumento moralizante.

Para Cunha, os valores defendidos pelo Escola sem Partido não diferem daqueles promovidos nos conteúdos de Educação Moral e Cívica, porém são mais rígidos. "Saímos de uma proposta que não era exatamente religiosa, mas sofria influência, para uma ideia de educação objetivamente religiosa. Além disso, incentivam alunos e pais a delatarem professores. O que mais vão fazer? Colocar polícia em sala de aula? Criar tribunais ideológicos?", questionou.

O professor ressaltou ainda que é preciso observar que o Escola sem Partido esvazia a escola, mas algo deve, obrigatoriamente, preencher o espaço vago. "Esta é uma perna de um projeto mais amplo. Não basta calar, é preciso colocar algo no lugar. Quem mais que está agindo para educar dentro da escola pública, nessa perspectiva que evite a crítica de fato? São aqueles grupos que pretendem desenvolver o ensino religioso", afirmou.

Hoje existem quatro propostas baseadas no Escola sem Partido em 12 Câmaras Municipais e sete Assembleias Legislativas. Na Câmara dos Deputados, há quatro projetos. E no Senado, um.”

“Ensinar X Doutrinar 
Fabio Florence

Pertence ao senso comum a ideia segundo a qual um ensino intelectualmente honesto deve fomentar nos alunos a aptidão para o pensamento independente dos vícios e das ideologias, ao passo que a chamada “doutrinação” consiste na imposição, pelo professor, de uma doutrina na qual ele acredita e para a qual deseja ganhar a adesão dos alunos. Sem pretender esgotar o tema, pretendo, aqui, convidar os educadores a refletirem mais a fundo sobre a prática da doutrinação para que, assim, possam melhor contribuir para a formação daqueles cujo aprendizado foi a eles confiado.

No livro “A Doutrinação”, escrito na década de 1970, o filósofo Olivier Reboul aponta dois sentidos para essa prática: a doutrinação de tipo conformista, que consiste no reforço de preconceitos já existentes na cabeça do educando, e a doutrinação de tipo sectário, marcada pelo ataque frontal aos preconceitos existentes na cabeça do educando e sua substituição por outros. Enquanto o conformismo impede que o educando elabore grandes projetos, cresça como pessoa e, assim, contribua para o bem social como um todo, o sectarismo está na raiz dos movimentos de negação radical da realidade, que frequentemente resultam em violência e grandes tragédias pessoais e/ou coletivas.

Talvez um dos grandes desafios com que se defronta o educador seja diagnosticar, na própria prática pedagógica, se seu ensino está ou não trilhando o caminho da doutrinação. Para melhor nos situarmos, sugiro tomarmos como ponto de referência alguns sintomas claros da doutrinação apontados por Reboul: fazer propaganda do partido político A ou B, impor um tipo de conhecimento que poderia ser compreendido (o famoso “porque sim”), lançar mão do argumento de autoridade quando não é o único possível, elaborar um ensino com base em preconceitos e, paralelamente, manipular fatos para que a doutrina ensinada aparente ser a única possível são indícios claros de que se está a doutrinar e não a ensinar.

Mesmo que o educador, ao olhar para essa lista, creia firmemente que não pratica nenhuma das condutas arroladas, ainda assim é possível que o faça sem saber. Acrescenta-se a isso o fato de que todo educador possui – e é legítimo que possua – suas crenças e convicções pessoais de ordem política e de valores morais e que um conjunto de aulas interessantes e atraentes podem implicar na adesão irrefletida do aluno ao ponto de vista do professor pela simples associação da opinião com a pessoa. Como, então, se resguardar desse perigo?

A resposta que proponho pode parecer um truísmo, mas, em tempos de recrudescimento ideológico e partidário como os nossos, se faz necessária: o educador deve ter a prática contínua e disciplinada do estudo, associada sempre à honestidade intelectual de expor o maior número de pontos de vista que um assunto comporta e as possíveis consequências (SIC) que a adoção de cada um deles pode acarretar.

O caminho mais fácil para ser um professor “popular” parece ser, cada vez mais, o do sectarismo, sobretudo por este se revestir de uma aparência de coerência entre o ensinar e o agir. Com efeito, o militante político e o fanático vivem aquilo que ensinam com grande fervor, mas não cumprem sua função de educadores, que consiste, sobretudo, em abrir as portas do pensamento responsável e nunca em fechá-las.

Fabio Florence (florenceunicamp@gmail.com) é advogado, professor de Filosofia e gestor do Núcleo de História do IFE Campinas.”

“Professores se revelam no Facebook

Nos prints abaixo, colhidos de postagens públicas no Facebook, professores revelam o uso que fazem da liberdade de ensinar.

Figura 1: professores revoltados no Facebook contra projeto “Escola sem partido”

Figura 2: idem

Figura 3: idem

Figura 4: idem

Figura 5: idem

Figura 6: idem

Figura 7: idem

Figura 8: idem

Figura 9: idem

Figura 10: idem



“Escola sem Partido não é lei da mordaça! Depoimento de Ilona Becskeházy, em 13.06.2016

Nas reuniões públicas sobre política educacional de que participei nas últimas semanas sobre a BNCC, incluindo uma na Câmara dos Deputados, o assunto principal em pauta foi flagrantemente desviado para o tema do Movimento Escola sem Partido. Eu já tinha ouvido falar, sem nunca ter realmente entendido como o Movimento atuava. Mas como nessas reuniões o Movimento estava sendo acusado de promover leis de censura e mordaça ao trabalho do professor, fui ver do que se tratava.

Não é bem isso, o Movimento Escola sem Partido é uma organização de pais e estudantes contra o uso das salas de aula e ambientes educacionais, tanto na educação básica quanto no ensino superior, para o proselitismo político, religioso e ideológico de qualquer natureza. O grupo existe desde 2004 e é coordenado por Miguel Nagib, Procurador de Justiça do Estado de São Paulo. 

Li praticamente todo o site e não vi ali nenhuma proposta de censura ou de cerceamento ao trabalho do professor ou de doutrinação de direita para escolas, professores ou alunos, como vem sendo acusado por algumas pessoas ou grupos. Pelo contrário, o que o Movimento defende é a garantia da pluralidade de visões a cerca de temas tratados em escolas e universidades.

Há 3 pontos que gostaria de destacar no site:

1) eles representam, entre outras iniciativas, um conjunto de ações de judicialização do direito dos alunos a terem aulas sem nenhum tipo de doutrinação política, religiosa, ideológica ou de gênero, os exemplos são propostas de projetos de lei que garantam esse direito a serem analisadas por assembleias legislativas estaduais ou câmaras municipais – em cada local cada corpo legislativo decide que texto vai fazer avançar. A proposta inicial do Movimento não é de forma nenhuma restritiva às liberdades individuais. Pelo contrário.

2) o site traz vários exemplos de como essa doutrinação acontece e como se proteger dela, mesmo que sem a ajuda de legislação

3) também há no site uma sessão chamada “flagrando o doutrinador“, com a qual me identifiquei muito e a qual gostaria de detalhar aqui.

Eles apresentam uma lista de 17 situações típicas de doutrinação ou de cerceamento da liberdade de expressão dos alunos, pelas quais uma pessoa pode identificar sutilezas da doutrinação. Fiz um exercício de memória e me senti representada, lembrando de situações pelas quais passei, em 10 delas. Acho sim que o tema e o Movimento são assuntos relevantes no debate educacional no Brasil, que precisam ser levados a sério e ser melhor conhecidos por professores, pais e alunos, além dos agentes governamentais. Mesmo não sendo prioridade neste momento quem que se debate a base nacional curricular, essas situações são sim reais e podem cercear o direito de alunos e de profissionais da educação à liberdade de pensamento e de expressão. Portanto, devem ser abordadas com atenção e serenidade em algum momento.

Ao longo de toda a minha vida escolar, universitária e acadêmica, me senti cerceada, oprimida e desrespeitada em situações como essas abaixo:

 se desvia freqüentemente (SIC) da matéria objeto da disciplina para assuntos relacionados ao noticiário político ou internacional;

 impõe a leitura de textos que mostram apenas um dos lados de questões controvertidas;

 ridiculariza gratuitamente ou desqualifica crenças religiosas ou convicções políticas;

 pressiona os alunos a expressar determinados pontos de vista em seus trabalhos;

 alicia alunos para participar de manifestações, atos públicos, passeatas, etc.;

 permite que a convicção política ou religiosa dos alunos interfira positiva ou negativamente em suas notas;

 não só não esconde, como divulga e faz propaganda de suas preferências e antipatias políticas e ideológicas;

 omite ou minimiza fatos desabonadores à corrente político-ideológida de sua preferência;

 promove uma atmosfera de intimidação em sala de aula, não permitindo, ou desencorajando a manifestação de pontos de vista discordantes dos seus;

 não impede que tal atmosfera seja criada pela ação de outros alunos;

Engraçado é que essas situações ocorreram em instituições ditas laicas e modernas. Nunca passei por uma situação dessas no colégio de freiras católicas onde fiz o fundamental II, ou na Fundação Getúlio Vargas, onde fiz uma longa especialização. Essas situações aconteceram de forma mais grave e agressiva na UFRJ, onde fiz minha graduação e no Departamento de Educação da Puc-Rio, onde fiz meu mestrado.

O Movimento Escola sem Partido faz ainda uma proposta de campanha de esclarecimento aos alunos e pais que deveria ser disseminada nas escolas e ambientes de ensino sob a forma de cartazes ou similares. Leiam e julguem por si mesmos.

Proposta:

1. O professor não abusará da inexperiência, da falta de conhecimento ou da imaturidade dos alunos, com o objetivo de cooptá-los para esta ou aquela corrente político-partidária, nem adotará livros didáticos que tenham esse objetivo.

2. O professor não favorecerá nem prejudicará os alunos em razão de suas convicções políticas, ideológicas, religiosas, ou da falta delas.

3. O professor não fará propaganda político-partidária em sala de aula nem incitará seus alunos a participar de manifestações, atos públicos e passeatas.

4. Ao tratar de questões políticas, sócio-culturais e econômicas, o professor apresentará aos alunos, de forma justa – isto é, com a mesma profundidade e seriedade –, as principais versões, teorias, opiniões e perspectivas concorrentes a respeito.

5. O professor não criará em sala de aula uma atmosfera de intimidação, ostensiva ou sutil, capaz de desencorajar a manifestação de pontos de vista discordantes dos seus, nem permitirá que tal atmosfera seja criada pela ação de alunos sectários ou de outros professores.

Ilona Becskeházy atua desde 1996 no desenho e implementação de projetos de educação. É Mestre em Educação pela PUC-Rio, com bolsa Proex da Capes (2012/13) e bolsa Nota 10 Faperj (2013/14) e Doutoranda em Educação na USP. Atua como consultora e atualmente é colunista do boletim Missão Aluno da Rádio CBN e da Revista Gestão Educacional. “


“Juristas confundem liberdade de ensinar com liberdade de expressão 
Por Miguel Nagib

Quem leu na ConJur a reportagem de Marcos de Vasconcellos sobre o Projeto de Lei 867/2015 — que inclui entre as diretrizes e bases da educação nacional o Programa Escola sem Partido — não corre o menor risco de entender o que está em discussão no Congresso Nacional.

Trata-se de uma proposta legislativa inspirada num anteprojeto de lei de minha autoria, cujo principal objetivo, omitido pela reportagem, é tornar obrigatória a afixação em todas as salas de aula do ensino fundamental e médio de um cartaz com o seguinte conteúdo:

DEVERES DO PROFESSOR

I - O Professor não se aproveitará da audiência cativa dos alunos, com o objetivo de cooptá-los para esta ou aquela corrente política, ideológica ou partidária.

II - O Professor não favorecerá nem prejudicará os alunos em razão de suas convicções políticas, ideológicas, morais ou religiosas, ou da falta delas.

III - O Professor não fará propaganda político-partidária em sala de aula nem incitará seus alunos a participar de manifestações, atos públicos e passeatas.

IV - Ao tratar de questões políticas, sócio-culturais (SIC) e econômicas, o professor apresentará aos alunos, de forma justa — isto é, com a mesma profundidade e seriedade —, as principais versões, teorias, opiniões e perspectivas concorrentes a respeito.

V - O Professor respeitará o direito dos pais a que seus filhos recebam a educação moral que esteja de acordo com suas próprias convicções.

VI - O Professor não permitirá que os direitos assegurados nos itens anteriores sejam violados pela ação de terceiros, dentro da sala de aula.

Segundo a reportagem, o PL 867/2015 é inconstitucional, na medida em que fere a liberdade de expressão do professor: “por ter liberdade de ensino garantida [pelo artigo 206, II, da CF], o professor não perde o direito à liberdade de expressão, que não pode ser suprimido de nenhum brasileiro”.

Ora, é evidente que o professor, enquanto cidadão, não pode ser privado da sua liberdade de expressão. A questão é saber se ele desfruta dessa liberdade no exercício de suas funções, dentro da sala de aula. Vejamos.

O direito à livre manifestação do pensamento está previso (SIC) no artigo 5º, IV, da Constituição Federal; e ele consiste, basicamente, na liberdade que tem o indivíduo de dizer qualquer coisa sobre qualquer assunto. É a liberdade que se exerce no Facebook, por exemplo. Bem, não é preciso ser um grande jurista para perceber que, se o professor desfrutasse dessa liberdade em sala de aula — isto é, no exercício do seu cargo ou função —, ele não poderia ser obrigado a transmitir aos alunos o conteúdo da sua disciplina. O professor de química poderia usar suas aulas — isto é, o tempo todo de suas aulas — para falar de futebol, cinema, literatura, ou simplesmente ficar em silêncio, já que a liberdade de expressão compreende o direito de não se expressar. A simples existência dessa obrigação de transmitir aos alunos o conteúdo da sua disciplina — sem a qual não existiria aquilo que conhecemos como “ensino” — já demonstra que o professor não desfruta e não pode desfrutar de liberdade de expressão em sala de aula.

Mas há mais. Em sala de aula, o professor se dirige a uma audiência cativa. A presença dos alunos em sala de aula é obrigatória por força de lei. Os alunos são obrigados a escutar o discurso do professor — e a escutar com atenção, pois poderão ser cobrados a respeito. Por isso, reconhecer ao professor o direito à liberdade de expressão dentro da sala de aula equivale a reconhecer-lhe o direito de obrigar seus alunos a ouvi-lo falar e opinar sobre qualquer assunto. De novo, não é preciso ser um luminar do Direito para concluir que, se isso fosse possível, a liberdade de consciência e de crença dos alunos seria letra morta. Nada poderia impedir um professor católico ou evangélico de usar suas aulas para catequizar os alunos ou um professor marxista de tentar convencê-los de que a religião é o ópio do povo.

Bem por isso, o que a Constituição garante ao professor — e não haveria nenhum motivo para fazê-lo, se o direito à livre manifestação do pensamento pudesse ser invocado na sala de aula — é a liberdade de ensinar.

Como se vê, os estudiosos do Direito Constitucional que acusam o PL 867/2015 de impor a censura aos professores não apenas confundem deploravelmente liberdade de ensinar com liberdade de expressão, como supõem que a liberdade de ensinar confere ao professor o direito de se aproveitar da presença obrigatória dos alunos para promover os seus próprios interesses, opiniões, concepções e preferências ideológicas, religiosas, morais, políticas e partidárias; o direito de fazer propaganda político-partidária em sala de aula; o direito de omitir dos alunos o outro lado de questões controvertidas que lhes sejam ensinadas; e o direito de dizer aos filhos dos outros o que é a verdade em matéria de religião e de moral.

Chamo a atenção do leitor para um detalhe significativo: na reportagem da ConJur (SIC) a palavra “liberdade” aparece 13 vezes, mas nenhuma dessas ocorrências se refere à liberdade de consciência e de crença. Os juristas consultados manifestaram sua preocupação com a liberdade de expressão e de opinião do professor, com a liberdade de ensino, com a liberdade de cátedra, e com a “liberdade de formulação dos pressupostos do pensamento”, mas ninguém se interessou pela liberdade de consciência e de crença do estudante, que é justamente a parte mais fraca na relação de ensino-aprendizagem.

Manifestando-se sobre o projeto, o ex-presidente do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) optou, ao que parece, pela falácia do espantalho. Segundo o Marcus Vinícius Furtado Coêlho, “além de inconstitucional, é desumano exigir que o professor seja um autômato dentro da sala de aula.” É claro que é! Mas quem disse que o PL 867/2015 faz isso?

Logo em seguida, no entanto, Furtado Coêlho ameniza prudentemente o tom: “Nem tanto ao mar nem tanto à terra. [É necessário] assegurar a liberdade de opinião do professor desde que tal [liberdade] seja exercida sem impor ao aluno determinada ideologia”. Bravo! É disso que se trata no PL 867/2015! O que ali se proíbe é o abuso da liberdade de ensinar, e não o seu legítimo exercício, que compreende o direito do professor de opinar sobre os temas que constituem o objeto da sua disciplina e do seu plano de ensino, mas não o de “fazer a cabeça” dos alunos.

Lenio Streck também foi duro: “Quem quer fazer escola desse modo deve ir para o canto da sala e ficar de castigo e depois ir para a lousa e escrever cem vezes: a escola deve ser pluralista. E nisso está incluído o 'risco' de ter um professor de esquerda... Ou de direita”.

Ora, de que diabos Lenio Streck está falando? Do PL 867/2015 que não é! Afinal, esse projeto estabelece, com todas as letras, que “ao tratar de questões políticas, sócio-culturais (SIC) e econômicas, o professor apresentará aos alunos, de forma justa — isto é, com a mesma profundidade e seriedade —, as principais versões, teorias, opiniões e perspectivas concorrentes a respeito.” Ao explicitar esse dever do professor, o PL Escola sem Partido visa a assegurar precisamente o pluralismo de ideias em sala de aula.

Pouco importa que o professor seja de esquerda ou de direita! O que ele não pode é desrespeitar a liberdade de consciência e de crença e a liberdade de aprender dos alunos (artigo 5º, VI e VIII; e artigo 206, II, da CF), o princípio constitucional da neutralidade política, ideológica e religiosa do Estado (artigos 1º, V; 5º, caput; 14, caput; 17, caput; 19, 34, VII, 'a', e 37, caput, da CF), o pluralismo de ideias (artigo 206, III, da CF) e o direito dos pais dos alunos sobre a educação religiosa e moral dos seus filhos (Convenção Americana sobre Direitos Humanos, artigo 12, IV).

Já o professor de Direito Constitucional da PUC-SP, Pedro Estevam Serrano, afirma que “ao usar termos vagos como ‘preferência política’ [embora o PL 867/2015 não utilize essa expressão], o projeto pode levar à interdição do próprio conhecimento”. E exemplifica: “Falar de marxismo em sala de aula, por exemplo, pode ser tido como preferência política, mas como falar do mundo contemporâneo e suas formações políticas e culturais sem falar de marxismo?”

Devo dizer ao ilustre professor que, nesse caso, a inconstitucionalidade não seria da lei, mas da sua aplicação a uma situação em que ela não deveria incidir. Com todas as vênias, o risco de que uma lei venha a ser mal aplicada é inerente a todas as leis. É um risco que obviamente não depõe contra a validade da lei.

Aos críticos do PL 867/2105 eu recomendo que avaliem também a constitucionalidade do artigo 117, V, da Lei 8.112/90, que prescreve:

“Art. 117. Ao servidor é proibido:
V - promover manifestação de apreço ou desapreço no recinto da repartição;”

Será que esse dispositivo também viola a “liberdade de expressão” dos servidores públicos?

É preciso reconhecer, entretanto, que o PL 867/2015 padece, efetivamente, de uma inconstitucionalidade — uma só: ao dispor que é vedada em sala de aula “a veiculação de conteúdos ou a realização de atividades que possam estar em conflito com as convicções religiosas ou morais dos pais ou responsáveis pelos estudantes”, o artigo 3º poderia impedir a abordagem de conteúdos científicos ou factuais em sala de aula, o que seria, além de indefensável do ponto de vista educacional, incompatível com a Constituição. Esse vício, porém — que já foi eliminado do nosso anteprojeto de lei (disponível emwww.programaescolasempartido.org) (SIC) — poderá e deverá ser corrigido durante tramitação do projeto, até mesmo com a supressão desse artigo, que não fará a menor falta à proposta: o que interessa é o cartaz com os deveres do professor.

Pois bem. Se esses deveres existem — e eu desafio os ilustres juristas ouvidos pela reportagem a demonstrar o contrário —, os estudantes têm direito de saber. É só esse o objetivo do PL 867/2015: informar os alunos sobre a existência daqueles deveres, a fim de que eles possam conhecer e defender os direitos que lhes correspondem, já que dentro da sala de aula ninguém mais poderá fazer isso por eles.
Revista Consultor Jurídico, 24 de junho de 2016, 14h20”

“Excelentíssimo Senhor Procurador da República Divisão de Combate à Corrupção da Procuradora da República no Distrito Federal Associação Escola sem Partido, pessoa jurídica de direito privado, com registro no 1 o Ofício de Notas, Registro Civil e Protesto, Títulos e Documentos e Pessoas Jurídicas do Distrito Federal, sob o número 3.542, com sede no SHN Quadra 01, Edifício Le Quartier (SIC), sala 1418, Brasília¬DF (SIC), CEP 70701¬000 (doc. anexo), vem, respeitosamente, por seu presidente, com fundamento nos artigos 5º, XXXIV, “a”, da Constituição Federal; 2º da Lei 4.898/65 e 22 da Lei 8.429/92, representar a Vossa Excelência para que promova a responsabilização por crime de abuso de autoridade e ato de improbidade administrativa do Presidente do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira ¬ INEP, autarquia federal vinculada ao Ministério da Educação, com endereço no SIG Quadra 04 lote 327 ¬ Zona Industrial CEP: 70610¬908, Brasília ¬ DF, pelos motivos que passa a expor: 01. Nos dias 24 e 25 de outubro de 2015, foi realizado em todo país o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), cujo principal objetivo é servir de 1 mecanismo de seleção para o preenchimento de vagas em instituições de ensino superior, conforme previsto nos itens 1.9 e 17.1, do Edital nº 6, de 15 de maio de 2015 (doc. anexo), do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira ¬ INEP: 1.9 Facultar¬se¬á (SIC) a utilização dos resultados individuais do Enem para: 1.9.1 (...) 1.9.2 A utilização como mecanismo de acesso à Educação 1 Outros objetivos do Enem são: “compor a avaliação de medição da qualidade do ensino médio no país”; “criar referência nacional para o aperfeiçoamento dos currículos do ensino médio”; e “estabelecer critérios de acesso do participante a programas governamentais” ‒como o Programa Universidade para Todos ¬ Prouni e o Fundo de Financiamento Estudantil ¬ FIES. 1 Superior ou em processos de seleção nos diferentes setores do mundo do trabalho. 17.1 Os resultados do Enem 2015 poderão ser utilizados como mecanismo único, alternativo ou complementar de acesso à Educação Superior, bastando para tanto a adesão por parte das Instituições de Educação Superior (IES). 02. O exame é constituído de 4 (quatro) provas objetivas de múltipla escolha e uma redação em língua portuguesa. 03. De acordo com o anexo IV do edital, a redação consiste num texto dissertativo¬argumentativo (SIC) em prosa, no qual o participante deve desenvolver, a partir de uma situação¬problema (SIC) e de subsídios oferecidos, uma reflexão sobre um tema de ordem política, social ou cultural. O texto produzido será avaliado em função das seguintes competências ou critérios: Competência 1: Demonstrar domínio da modalidade escrita formal da Língua Portuguesa. Competência 2: Compreender a proposta de redação e aplicar conceitos das várias áreas de conhecimento para desenvolver o tema, dentro dos limites estruturais do texto dissertativo¬argumentativo (SIC) em prosa. Competência 3: Selecionar, relacionar, organizar e interpretar informações, fatos, opiniões e argumentos em defesa de um ponto de vista. Competência 4: Demonstrar conhecimento dos mecanismos linguísticos necessários para a construção da argumentação. Competência 5: Elaborar proposta de intervenção para o problema abordado, respeitando os direitos humanos. 04. A cada uma dessas competências é atribuída por dois corretores, de forma indepentente (SIC), uma nota entre 0 (zero) e 200 (duzentos) pontos, e a soma desses pontos compõe a nota total de cada corretor, que pode chegar a 1000 (mil) pontos. A nota final do participante será a média aritmética das notas totais atribuídas pelos dois corretores. Segundo o disposto no item 14.9.4 do edital, será atribuída nota zero à redação que “desrespeite os direitos humanos”. 2 05. Em 2013, o INEP publicou um manual intitulado “Redação no Enem 2013 ¬ Guia do Participante” , onde prestou, a respeito dos requisitos acima, 2 os seguintes esclarecimentos (sem negrito no original): “O texto dissertativo¬argumentativo (SIC) é organizado na defesa de um ponto de vista sobre determinado assunto. É fundamentado com argumentos, para influenciar a opinião do leitor ou ouvinte, tentando convencê¬lo (SIC) de que a ideia defendida está correta. É preciso, portanto, expor e explicar ideias. Daí a sua dupla natureza: é argumentativo porque defende uma tese, uma opinião, e é dissertativo porque se utiliza de explicações para justificá¬la. (SIC) (...) O terceiro aspecto a ser avaliado no seu texto é a forma como você seleciona, relaciona, organiza e interpreta informações, fatos, opiniões e argumentos em defesa do ponto de vista defendido como tese. É preciso que elabore um texto que apresente, claramente, uma ideia a ser defendida e os argumentos que justifiquem a posição assumida por você em relação à temática exigida pela proposta de redação. (...) O quinto aspecto a ser avaliado no seu texto é a apresentação de uma proposta de intervenção para o problema abordado. Por isso, a sua redação, além de apresentar uma tese sobre o tema, apoiada em argumentos consistentes, deve oferecer uma proposta de intervenção na vida social. Essa proposta deve considerar os pontos abordados na argumentação, deve manter vínculo direto com a tese desenvolvida no texto e coerência com os argumentos utilizados, já que expressa a sua visão, como autor, das possíveis soluções para a questão discutida. (...) A proposta deve, ainda, refletir os conhecimentos de mundo de quem a redige, e a coerência da argumentação será um dos aspectos decisivos no processo de avaliação. É necessário que ela respeite os direitos humanos, que não rompa com valores como cidadania, liberdade, solidariedade e 2 http://guiadoestudante.abril.com.br/blogs/redacao¬enem¬vestibular/2015/06/25/quer¬tirar-nota¬1000¬na¬r edacao¬do¬enem¬entenda¬os¬5¬criterios¬de¬avaliacao¬usados¬pela¬banca/, item 2.5 3 diversidade cultural.” 06. Extraem¬se (SIC) do edital e de sua interpretação por parte do INEP ‒ interpretação que serve de orientação aos participantes do Enem ‒as seguintes conclusões: (a) diversamente do que ocorre, v.g., nos concursos para ingresso nas carreiras do Ministério Público ou da Magistratura ‒em que o candidato, ao redigir uma “denúncia” ou uma “sentença”, é obrigado a simular o exercício da função pública postulada ‒, na redação do Enem, o participante é chamado a se expressar como indivíduo, não como agente do Estado; (b) nessa condição, ele deve apresentar e defender a sua posição, o seu ponto de vista, a sua visão, em suma, a sua “opinião” sobre o problema proposto; mas, (c) se essa opinião desrespeitar “os direitos humanos”, sua redação será anulada. Ou seja, o participante poderá ser privado de um direito por expressar determinada opinião. A LIBERDADE DE CONSCIÊNCIA E DE CRENÇA E OS DIREITOS HUMANOS 07. Ora, condicionar o acesso de um candidato ao ensino superior a que ele defenda ou não defenda determinado ponto de vista sobre o que quer que seja configura uma forma acintosa de cerceamento à sua liberdade de consciência e de crença, o que afronta a garantia prevista no art. 5º, VIII, da Constituição: VIII ¬ ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa ou de convicção filosófica ou política, salvo se as invocar para eximir¬se de obrigação legal a todos imposta e recusar¬se (SIC) a cumprir prestação alternativa, fixada em lei; 08. Graças a essa garantia constitucional , ninguém em nosso país 3 pode ser obrigado a professar ou não professar determinado credo religioso, político¬ideológico (SIC) ou filosófico para usufruir de um direito; ninguém pode ser obrigado a dizer o que não pensa para poder entrar numa universidade. 09. Por força dos incisos VI e VIII do art. 5º da Constituição Federal, um seguidor das doutrinas de Marx e Lenin não poderia ser privado do direito de ingressar numa universidade pública por apresentar em sua redação, como proposta de intervenção para determinado problema social, a abolição da propriedade privada e a expropriação forçada dos bens de produção, mesmo que tal proposta 3 É inaplicável, na espécie, a ressalva prevista na segunda parte do dispositivo. Primeiro, porque não existe obrigação legal de expressar determinada opinião sobre determinado assunto; e, segundo, porque, se existisse, seria inconstitucional. 4 desrespeite o art. XVII da Declaração Universal dos Direitos Humanos, onde se prevê que “Todo ser humano tem direito à propriedade” e que “Ninguém será arbitrariamente privado de sua propriedade”. 10. O art. 208, V, da Constituição , estabelece, em sintonia com o 4 art. 5º, VIII, anteriormente citado, que o acesso aos níveis mais elevados do ensino será obtido “segundo a capacidade de cada um”, e não segundo a crença religiosa ou a convicção filosófica ou política de cada um. Nesse sentido, a finalidade do Enem não pode ser outra senão a de servir como instrumento de aferição daquela capacidade. 11. O dever assumido pelo Estado brasileiro de promover os direitos humanos não autoriza o Poder Público ‒no caso, o Presidente do INEP ‒a impedir que indivíduos cujas convicções religiosas, políticas ou filosóficas estejam em desacordo com disposições da Declaração Universal dos Direitos Humanos ou da legislação brasileira sobre direitos humanos possam usufruir do direito de ingressar numa instituição de ensino superior, segundo a sua capacidade. 12. Por ser inviolável, a liberdade de consciência e de crença não permite que os direitos humanos ‒nem mesmo os direitos humanos propriamente ditos! ‒sejam transformados em “religião” do Estado laico e os indivíduos obrigados a professá¬la, (SIC) contra suas próprias convicções, para poder usufruir dos seus direitos. 13. Assim, o que se apresenta como avanço no sentido da consolidação de uma cultura dos direitos humanos é, na verdade, uma afronta inequívoca à liberdade de consciência e de crença de milhões de brasileiros. 14. O problema do Enem, todavia, é ainda mais grave. A LIBERDADE DE CONSCIÊNCIA E DE CRENÇA E O SIMULACRO IDEOLÓGICO DOS DIREITOS HUMANOS 15. Embora estabeleça que a proposta de intervenção deve respeitar “os direitos humanos” e que será atribuída nota zero à redação que “desrespeite os direitos humanos” (item 14.9.4 do edital), o INEP não exige dos 4 “Art. 208. O dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de: V ¬ acesso aos níveis mais elevados do ensino, da pesquisa e da criação artística, segundo a capacidade de cada um;” 5 candidatos e dos corretores ‒estes recrutados entre professores graduados em Letras¬língua (SIC) portuguesa e, portanto, sem formação jurídica ‒qualquer familiaridade com a por vezes complexa legislação relativa aos direitos humanos. Ou seja: não se trata, no edital, do respeito a essa legislação. 16. Ora, na falta de um referencial objetivo, que só poderia ser dado pelas normas legais que os definem, o que se compreende por “direitos humanos” no contexto do Enem? O que é que os estudantes devem respeitar para que sua redação não seja anulada? Que parâmetros devem ser adotados pelos corretores para avaliar as propostas de intervenção para o problema abordado? 17. Percebendo a inquietação produzida por esses questionamentos, o INEP decidiu utilizar o já referido guia do participante para tornar pública a seguinte interpretação do edital (sem colchetes no original): É necessário que [a proposta de intervenção para o problema abordado] respeite os direitos humanos, que não rompa com valores como cidadania, liberdade, solidariedade e diversidade cultural. 18. Essa interpretação, todavia, pouco ou nada acrescenta em objetividade ao que já consta do edital. Exceto num aspecto: reforça nos participantes a certeza de que, para o Enem, respeitar “os direitos humanos” significa respeitar o “politicamente correto”, que nada mais é do que um simulacro ideológico dos direitos humanos propriamente ditos. 19. É essa, de fato, a mensagem captada, com indiferente pragmatismo, por professores e especialistas cujas análises e “dicas” orientam os participantes do Enem: “(...) Fique muito atento a estas últimas palavras: respeite os direitos humanos. Pode não parecer, mas o que é e o que não é um direito humano, bem como o respeito a esse(s) direito(s) pode, muitas vezes, ter cunho subjetivo. Por via das dúvidas, não exponha opiniões muito radicais e opte por ser politicamente correto.” 5 * * * “Um dos princípios mais relevantes dos que norteiam as questões do ENEM é o que se convencionou chamar de politicamente correto. Assim como nas redações o ENEM pede 5 http://educacao.uol.com.br/noticias/2012/10/29/veja¬como¬se¬sair¬bem¬na¬redacao¬do-enem.htm (SIC) 6 que os argumentos do candidato no texto respeitem os direitos humanos e valores como cidadania, liberdade, diversidade cultural e solidariedade, também nas questões apresentadas isso ressalta. Assim, se você tiver dúvidas na hora de responder a uma questão, procure a opção que mais se aproxima desses princípios.” 6 * * * “(...) tudo que seja generoso, solidário e politicamente correto é de acordo com os Direitos Humanos. (...) é muito importante para o corretor que você tenha uma visão de mundo civilizada e que tenha, principalmente, em mente que os Direitos Humanos são algo já inerentes à nossa sociedade e que devem ser respeitados (ainda que você não concorde com alguns direitos garantidos). 7 * * * Os temas das redações das últimas edições do Enem têm privilegiado preocupações humanísticas, cobrando do candidato uma postura que não fira os direitos humanos, por isso pense bem na hora de fazer a redação, pois é sempre bom ser politicamente correto, às vezes sua opinião pode ser preconceituosa ou racista e isso não lhe ajuda em nada. 8 * * * Não se esqueça de que o Enem segue a linha do “politicamente correto”, então caso a sua opinião desvie um pouco disto, é melhor deixá¬la (SIC) de lado na redação; 9 * * * Na redação do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), o aluno que desrespeitar os direitos humanos em seus argumentos e proposta de intervenção terá seu texto zerado pelo corretor da prova. Fazer comentários politicamente incorretos e desrespeitosos também pode prejudicar o resultado final do exame. 10 6 http://blog.enem.uol.com.br/2014/09/01/enem¬politicamente¬correto/#rmcl 7 http://www.enemsimples.info/2013/02/os¬direitos¬humanos¬e¬redacao¬do-enem.html#ixzz3s4JbQnxU (SIC) 8 http://sitedoenem.com.br/enem/tema¬da¬redacao¬enem-2014.html (SIC) 9 http://cursoseempregos.com/dicas¬para¬uma¬boa¬redacao¬no¬enem/ (SIC) 10 http://noticias.universia.com.br/destaque/noticia/2015/10/05/1131944/direitos¬humanos-entenda¬deve¬fei to¬redacao¬enem.html (SIC) 7 * * * Portanto, mesmo que você tenha opiniões mais polêmicas, com um tom intolerante, guarde¬as (SIC) para você e tente ser razoável na escrita da redação, respeitando a diversidade. 11 * * * A redação é uma prova com grande peso no Enem. Por este motivo é muito importante ir bem nela. O Enem quer que você construa uma boa argumentação, com caráter ético e de defesa de direitos humanos. Tome cuidado com idéias (SIC) preconceituosas, radicalismo ou piadas politicamente incorretas, (...). 12 20. “Não exponha opiniões muito radicais”; “é muito importante para o corretor que você tenha uma visão de mundo civilizada”; “às vezes sua opinião pode ser preconceituosa ou racista e isso não lhe ajuda em nada”; “caso a sua opinião desvie um pouco [do politicamente correto], é melhor deixá¬la (SIC) de lado”; “Fazer comentários politicamente incorretos e desrespeitosos também pode prejudicar”; “mesmo que você tenha opiniões mais polêmicas, com um tom intolerante, guarde¬as (SIC) para você”; “Tome cuidado com ideias preconceituosas...” ‒ são conselhos que deveriam encher os brasileiros de indignação. E, no entanto, os estudantes os escutam e os seguem, porque sabem que é exatamente assim que devem agir para não correr o risco de ferir a sensibilidade dos corretores e perder a chance de ingressar numa universidade ou conseguir um emprego (lembrando que os resultados do Enem também são utilizados “em processos de seleção nos diferentes setores do mundo do trabalho”). 21. Assim, a ameaça que pendia sobre a cabeça de cada um dos 5,8 milhões de estudantes que fizeram a prova do Enem não era a de ter sua redação anulada por expressar uma opinião eventualmente contrária aos direitos humanos propriamente ditos ‒o que já seria inaceitável, à vista dos arts. (SIC) 5º, IV, VI e VIII, 206, III, e 208, V, da Constituição Federal ‒, mas a de tê¬la (SIC) anulada, e ser privado do direito de ingressar numa universidade segundo a sua capacidade, por expressar uma opinião que viesse a ser tida pelos corretores da sua prova como “radical” ou “incivilizada” ou “preconceituosa” ou “racista” ou “polêmica” ou “intolerante” ou “politicamente incorreta”. Será isso compatível com o Estado de Direito? 11 http://www.escreveronline.com.br/site/o-respeito¬aos¬direitos¬humanos¬na¬redacao¬do¬enem (SIC) 12 http://www.enem2014.org/redacao-enem¬2014.html (SIC) 8 22. Por mais bem escrita e até mesmo conforme aos direitos humanos propriamente ditos ‒isto é, às normas previstas na legislação relativa aos direitos humanos ‒, a redação pode vir a ser anulada se o candidato tiver a má sorte de expressar uma opinião que os corretores considerem ser contrária a “valores como cidadania, liberdade, solidariedade e diversidade cultural”. Note¬se (SIC) que, além do altíssimo grau de subjetividade envolvido na compreensão desses valores, a lista do INEP ainda permite a inclusão de outros, a depender da sensibilidade e da imaginação dos corretores. 23. No reino do arbítrio, a única garantia oferecida aos participantes é a promessa de que sua redação será avaliada por dois corretores, de forma independente, ou três, em caso de discrepância de notas (item 14.8 do edital). O que significa somente que a pena pelo delito de opinião será aplicada por uma junta, em vez de por um juiz singular. FILTRO IDEOLÓGICO DE ACESSO AO ENSINO SUPERIOR: DESVIO DE FINALIDADE E OFENSA AO PRINCÍPIO DA IMPESSOALIDADE 24. Ao outorgar esse poder sem parâmetro, esse cheque em branco assinado para ser preenchido segundo a subjetividade e a visão de mundo de cada corretor, o INEP desrespeita o princípio constitucional da impessoalidade (art. 37, caput), aplicável na espécie, uma vez que o trabalho de correção das provas é atividade exercida no âmbito da administração pública. 25. Este ano, 5,8 milhões de estudantes tiveram de escrever uma redação sobre a violência contra a mulher na sociedade brasileira; e é de supor¬se (SIC) que muitos candidatos tenham ficado temerosos de expressar seu pensamento a respeito. 26. E com razão. Basta imaginar o possível desfecho das seguintes situações: a candidata “A”, feminista, sustenta, em sua redação, que a proibição do aborto é uma forma de violência contra as mulheres; e apresenta como proposta de intervenção a completa descriminalização dessa prática. Já o candidato “B”, muçulmano, relativiza o problema da violência contra as mulheres; identifica, entre suas causas, o comportamento eventualmente inadequado das próprias mulheres; e propõe como solução a mudança desse comportamento. 27. Como teriam sido corrigidas essas redações? Se o Enem exigisse o respeito à legislação relativa aos direitos humanos, a candidata “A” deveria ter recebido zero, pois a Convenção Americana sobre Direitos Humanos estabelece que o direito à vida deve ser protegido pela lei “desde o momento da 9 concepção" (art. 4º, 1). Mas, dada a inexistência de parâmetros objetivos sobre o significado da expressão “direitos humanos”, não só esse resultado não teria ocorrido, como quem provavelmente teria levado zero, por haver apresentado uma visão “radical”, “incivilizada”, “preconceituosa”, “polêmica”, “intolerante” e “politicamente incorreta”, seria o candidato “B”, embora sua proposta de intervenção não desrespeite a legislação relativa aos direitos humanos. 28. Ora, nenhum dos candidatos deveria ser punido por possuir ou expressar determinada opinião. Insista¬se: (SIC) ninguém pode ser obrigado a dizer o que não pensa para poder entrar numa universidade. O exemplo demonstra, em todo caso, que, além de ferir a liberdade de consciência e de crença dos candidatos, a exigência contida no edital transforma a prova de redação do Enem num imenso filtro ideológico de acesso ao ensino superior, o que afronta o princípio constitucional da impessoalidade e caracteriza patente desvio de finalidade do certame. ABUSO DE AUTORIDADE E IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA 29. De acordo com o art. 3º, “d”, da Lei 4.898/65, “constitui abuso de autoridade qualquer atentado à liberdade de consciência e de crença”. 30. Ora, ao estabelecer que seria atribuída nota zero à redação que desrespeitasse os “direitos humanos”, o INEP cometeu inequívoco atentado à liberdade de consciência e de crença dos participantes do Enem. 31. Com efeito, diante da ameaça de zerar na prova de redação, e acabar fracassando naquele que é, para imensa maioria desses jovens, o maior desafio de suas vidas até então, o teste decisivo e o momento culminante da sua carreira escolar, o participante do Enem não hesita em sufocar suas convicções e renegar as suas crenças, num ato que pode representar, para muitos, um doloroso conflito moral. 32. Ao comentar uma entrevista da estudante que obteve a nota máxima na redação do Enem por dois anos consecutivos, o psicólogo e educador argentino Pablo Doberti (SIC) escreveu : 13 No Brasil, existe o ENEM (Exame Nacional do Ensino Médio). E o ENEM se transformou em um grande juiz dos resultados educativos escolares. Por isso, o grande determinador dos modelos educativos. Estamos diante de um problema. 13 http://www.brasilpost.com.br/pablo¬doberti/uma¬boa-redacao_b_6787768.html 10 Marina Rubini foi quem obteve a nota máxima do país durante dois anos seguidos em "redação" no ENEM. Hoje, tem 20 anos, estuda Medicina (era previsível) e trabalha, em paralelo, dando "dicas" aos alunos sobre como obter boas notas na prova. Foi entrevistada pela VEJA (29/10/2014, página 46). À pergunta: "O que é que ninguém deve jamais escrever em uma redação"?, ela responde ‒ aparentemente com segurança e comodidade ‒o que segue: "Frases ou palavras que possam ferir alguém. Em um tema como 'cotas raciais' ¬ assunto de maior importância no Brasil ¬ sugiro que ninguém diga que os que têm direito a vagas por condição racial 'se aproveitam dessas vagas'. Outro segredo: manter sempre em mente a questão dos direitos humanos, porque gera sensibilidade. Eu sou católica e contra a legalização do aborto, mas, em uma redação, não escreveria nunca o que a Bíblia diz. Diria que a lei define o marco...". E ninguém se escandaliza. A garota está nos mostrando ‒ de uma maneira quase obscena, ainda que involuntária e ingênua ‒que no ENEM se ganha mentindo, impostando, fazendo¬se (SIC) passar por outra pessoa, negando¬nos (SIC) em nossa condição de sujeitos com identidade e opinião. E não acontece nada. Dizem em nossa cara que o sistema escolar adora escutar o politicamente correto e premia quem o propaga e que não lhe importa nem um pouco supor que os alunos estão se autocensurando, limitando, idiotizando, estereotipando e demais "andos" (SIC) para nos satisfazer. E no final creem nisso, claro. E dão aulas disso, e declaram aos quatros ventos em um meio de comunicação de massa. É indignante. É denegridor. Estamos validando coletivamente um modelo perverso e idiota que está nos devorando. Já me aconteceu outras vezes, em outros contatos, e aqui volto a confirmar: até os próprios alunos, alienados sobre o que os está matando, tornam¬se (SIC) vis defensores do modelo que os destrói. Apaixonam¬se (SIC) pelos 11 seus algozes, outra vez. E até divulgam e engrandecem o feito. Estamos diante de um problema silenciado há muito tempo. 33. Em suma, o atentado à liberdade de consciência e de crença dos alunos não poderia ser mais patente. 34. Além disso, ao conferir ao corretores das provas ‒indivíduos investidos de função pública ‒o poder de atuar segundo suas próprias concepções e preferências políticas, ideológicas, morais e religiosas, o INEP viola um dos princípios da administração pública ‒qual seja, o da impessoalidade ‒, incorrendo na prática prevista no art. 11, caput, da Lei 8.429/92: Art. 11. Constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública qualquer ação ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade, e lealdade às instituições, e notadamente: (...) 35. Se, em razão do princípio da impessoalidade, “simpatias ou animosidades pessoais, políticas ou ideológicas não podem interferir na atuação administrativa” , o INEP jamais poderia ter atribuído aos corretores das redações o 14 direito de preencher, com os seus próprios valores e a sua própria visão de mundo, o conceito de “direitos humanos”, utilizado no edital em sentido midiático, e não jurídico. E é claro que, ao fazê¬lo, (SIC) outorgou a esses agentes do Estado o poder de fechar as portas das universidade públicas a indivíduos cujas opiniões lhes parecessem “radicais” ou “incivilizadas” ou “preconceituosas” ou “racistas” ou “polêmicas” ou “intolerantes” ou “politicamente incorretas”. 36. Finalmente, ao propiciar a transformação da prova de redação do Enem em filtro ideológico de acesso ao ensino superior, o INEP “frustra a licitude de concurso público” (art. 11, V, da Lei 8.429/92), pois impede que o acesso aos níveis mais elevados do ensino seja alcançado “segundo a capacidade de cada um” ‒como determina o art. 208, V, da Constituição Federal ‒, o que caracteriza manifesto desvio dessa específica finalidade do Exame Nacional do Ensino Médio. CONCLUSÃO 37. Espera, pois, a Associação Escola sem Partido seja promovida a responsabilização do Presidente do INEP pelos atos ilícitos acima descritos, consubstanciados no Edital nº 6, de 15 de maio de 2015, do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira ¬ INEP. 14 Bandeira de Mello, Curso de Direito Administrativo, Malheiros, 15ª ed., p. 104. 12 38. Solicita que as informações e notificações relativas ao processamento desta representação sejam enviadas ao seguinte e¬mail: (SIC) escolasempartido@gmail.com. Brasília, 26 de janeiro de 2016 Miguel Nagib Associação Escola sem Partido www.escolasempartido.org 13” 

MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL Procuradoria da República no Distrito Federal 1º Núcleo de Combate à Corrupção Notícia de Fato nº 1.16.000.000463/2016-21 DESPACHO Nº 233/2016 Trata-se de Notícia de Fato instaurada a partir de representação da “Associação Escola sem Partido”, que requer a responsabilização por crime de abuso de autoridade e por ato de improbidade administrativa do Presidente do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira – INEP, em virtude de disposições contidas no Edital INEP nº 6/2015, que “dispõe sobre as diretrizes, os procedimentos e os prazos da edição do Enem 2015” (f. 16). Segundo alega o noticiante, ao prever a atribuição de nota 0 (zero) à redação cujo teor desrespeitasse os direitos humanos (item 14.9.4), o Edital do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) abusou de autoridade, afrontou a liberdade de consciência e de crença dos candidatos, além de criar um “filtro ideológico de acesso ao ensino superior” (f. 10-11). Em sua opinião, o dispositivo questionado teria ferido, também, o princípio da impessoalidade e frustrado a licitude do concurso público, pois impediu “que o acesso aos níveis mais elevados do ensino seja alcançado 'segundo a capacidade de cada um – como determina o art. 208, V, da Constituição Federal – , o que caracteriza manifesto desvio dessa específica finalidade do Exame Nacional do Ensino Médio” (f. 13-14). É o relatório. [1 de 2] MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL Procuradoria da República no Distrito Federal 1º Núcleo de Combate à Corrupção A análise preliminar da matéria revela a ausência de atribuição deste Núcleo de Combate à Corrupção para titularidade do feito. Segundo a Resolução PRDF/MPF nº 27, de 24 de março de 2014, compete aos ofícios de combate à corrupção “exercer atribuição plena, cível e criminal, na repressão de condutas que caracterizem violação simultânea à Lei de Improbidade Administrativa e à legislação penal, ressalvados os crimes previdenciários” (artigo 14, caput). Embora o noticiante requeira expressamente a responsabilização “por crime de abuso de autoridade” e “por ato de improbidade administrativa” do Presidente do INEP, verifica-se, de antemão a inexistência de elementos suficientes para tratar os fatos da forma com que foram classificados, até porque não há relato de fato concreto que possa ser enquadrado como ilícito cível e criminal, mas apenas manifestação de discordância do representante quanto a critério de avaliação em edital. A princípio, em respeito à normatização interna desta Procuradoria e ao Princípio do Promotor Natural, entendo mais adequada a distribuição do feito a um dos Ofícios de Cidadania, os quais são responsáveis pela análise de áreas temáticas como “discriminação” e “direitos e garantias fundamentais”, além da matéria residual de tutela coletiva não prevista nas atribuições dos demais ofícios do Núcleo Cível (artigo 4º, I, da PRDF/MPF nº 27, de 24 de março de 2014). Diante do exposto, considerando que o presente feito foi autuado administrativamente como Notícia de Fato Criminal, determino o ARQUIVAMENTO dos autos, com a extração de cópia integral para distribuição, como Notícia de Fato Cível, a um dos Ofícios de Cidadania da PRDF. Comunique-se o representante. Brasília, 23 de fevereiro de 2016. SARA MOREIRA DE SOUZA LEITE Procuradora da República [2 de 2]”


“Ministério Público engaveta representação criminal contra Presidente do INEP

A Procuradora da República SARA MOREIRA DE SOUZA LEITE, da Procuradoria da República no Distrito Federal, determinou o arquivamento da representação por crime de abuso de autoridade e ato de improbidade administrativa apresentada pela Associação Escola sem Partido contra o Presidente do INEP, em razão de ilegalidades contidas no edital do Enem/2015.”

“Sala de aula não é Facebook
Por Marcelo Rech

Imagine a cena. Um professor seguidor do bolsonarismo (SIC) discorre sobre as virtudes do regime militar, ao qual chama de Momento Democrático de 64. Bem-falante, o professor dá sua versão aos alunos. Observa que foi com os militares no poder que o Brasil derrotou a inflação, que se ergueram grandes obras, como o Hospital de Clínicas, a Freeway e Itaipu, e diz que as pessoas, apesar do terrorismo de esquerda, viviam mais seguras e felizes. Nenhuma palavra sobre dívida externa, repressão política, censura ou tortura, a qual ele atribuiu a uma invenção da imprensa para macular o regime.

Quem acredita que a sala de aula seja uma franquia do professor para doutrinar crianças e adolescentes deve estar preparado para conviver pacificamente com o mestre imaginário acima, que estaria, segundo uma corrente de pensamento, apenas exercendo seu direito à livre manifestação. Em países onde a educação chegou a outro estágio, recrutar corações e mentes infanto-juvenis para um projeto político seria uma violação ética do educador. No Brasil, na ausência de códigos do gênero, um projeto do deputado federal tucano Izalci Lucas se soma a uma dezena de iniciativas estaduais na defesa da neutralidade ideológica, política e religiosa em colégios públicos, em um movimento conhecido como Escola sem Partido.

Tais projetos só germinam porque, no Brasil do Século 21, ainda se considera natural que agentes do Estado pagos pela sociedade despejem seu próprio menu ideológico, seja ele de esquerda ou de direita, sobre jovens que não têm outra opção a não ser estar ali, diante da autoridade de um professor. No lado desenvolvido do mundo, há uma clara distinção. Facebook e mesa de bar, onde adultos se encontram de forma voluntária, é uma coisa. Já o quadro-negro deve ser imune a partidarizações.

É desejável que escolas formem cidadãos conscientes e responsáveis, mas esse ideal pressupõe que ao estudante devem ser oferecidas diferentes versões de um fato. Sempre que o partido se intromete na lição, mata-se a pluralidade e distorce-se a missão de ensinar a pensar. Um caso rápido: no surto de liberdade que se seguiu ao esfarelamento da União Soviética, entrevistei uma professora de história em uma escola de Moscou. Ela estava atônita. Seus livros ainda apresentavam Marx e Lenin como semideuses da pátria socialista. De um dia para outro, eles já não eram mais heróis e nem URSS existia mais. Só restavam os livros e a confusão mental de professora e alunos que haviam sido manietados pela ideologia.

A história está repleta de episódios de uso do ensino para encabrestar cérebros e escolhas livres. No Estado Novo, estudantes eram instados a tecer loas diárias a Getúlio Vargas. Na antiga Alemanha Oriental, recrutavam-se pioneirinhos (SIC) de lenço vermelho para se tornarem bons comunistas que dedurassem seus pais. Do Brasil getulista à Cortina de Ferro e até ao extremo atual das madrassas (SIC) do talibã, a doutrinação na sala de aula sempre serviu de combustível para facções e regimes autoritários e liberticidas (SIC) em geral.”

“Dia histórico: projeto de lei que institui o Programa Escola sem Partido é apresentado na Câmara dos Deputados

O Deputado Izalci (PSDB/DF) apresentou, em 23.03.2015, o Projeto de Lei nº 867/2015, que inclui entre as diretrizes e bases da educação nacional o "Programa Escola sem Partido".

Trata-se de uma iniciativa destinada a entrar para a história da educação em nosso país.

Se a lei for aprovada pelo Parlamento brasileiro, a doutrinação política e ideológica em sala de aula e a usurpação do direito dos pais a que seus filhos recebam a educação moral que esteja de acordo com suas próprias convicções estarão com os dias contados.

A tramitação desse projeto de lei não impede que os anteprojetos de lei elaboradospelo (SIC) Escola sem Partido sejam apresentados às Assembleias Legislativas dos Estados e às Câmaras de Vereadores dos Municipais.

Pelo contrário: é importante que esses anteprojetos continuem a ser divulgados, a fim de fomentar o debate sobre o tema da doutrinação em todo o país, o que criará um ambiente favorável à aprovação da lei pelo Congresso Nacional.”

Paulo Freire e a “educação bancária” ideologizada

Por Luiz Lopes Diniz Filho*

Recentemente a Gazeta do Povo publicou uma reportagem com mais uma batelada desses chavões que os seguidores de Paulo Freire usam para nos fazer acreditar que esse sujeito era um educador preocupado com liberdade e autonomia do indivíduo, quando ele não passava de um doutrinador ideológico dogmático e autoritário (mas de fala mansa). Como crítico de sua pedagogia, gostaria de tecer alguns comentários.

Segundo a reportagem, Freire – que “defendia uma educação assumidamente ideológica” – “propunha uma prática de sala de aula que pudesse desenvolver a criticidade dos alunos e condenava o tradicionalismo da escola brasileira, que chamou de ‘educação bancária’, em que o professor deposita o conhecimento em um aluno desprovido de seus próximos pensamentos. Tal sistema, diz, só manteria a estratificação das classes sociais, servindo o ensino de mero treinamento para a formação de massa de trabalho. Contrariamente, Freire propunha a construção do saber de forma conjunta, em que o professor se aproxima dos conhecimentos prévios dos estudantes, para com essas informações ser capaz de apresentar os conteúdos aos alunos, que teriam poder e espaço para questionar os novos saberes”.

Na prática, a coisa funciona assim: o professor questiona os alunos sobre o seu dia a dia, apresenta uma explicação ideológica para os problemas e insatisfações relatados, e depois discute com eles o que acharam desse conteúdo. Se os alunos discordarem da explicação, o professor argumenta em favor do seu próprio ponto de vista ideológico. Ao fim do diálogo, o professor conclui que os alunos que ele conseguiu convencer estão agora “conscientes” da sua “verdadeira” condição de oprimidos e explorados pela sociedade de classes.

Ora, isso é apenas a dita “educação bancária” camuflada de diálogo! O professor apresenta uma única via para explicar as situações relatadas pelos alunos: a ideologia em que ele acredita. O aluno é deixado na ignorância sobre a existência de pesquisas que explicam as situações de pobreza, desigualdade, problemas urbanos e ambientais, entre outros, fora do universo teórico e ideológico do professor.

O próprio simplismo do pensamento de Paulo Freire permite exemplificar como isso se dá. Suponham que um aluno de Freire, um operário em processo de alfabetização, convidado a falar sobre sua vida cotidiana, dissesse que está desempregado. Aproveitando a oportunidade para “conscientizar” o aluno, o professor Freire apresentaria a sua visão sobre o tema: “O desemprego no mundo não é, como disse e tenho repetido, uma fatalidade. É antes o resultado de uma globalização da economia e de avanços tecnológicos a que vem faltando o dever ser de uma ética realmente a serviço do ser humano e não do lucro e da gulodice irrefreada das minorias que comandam o mundo” (a citação é de Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa).

É claro que o aluno hipotético só poderia contestar essa análise se tivesse lido trabalhos de economistas sobre as causas do desemprego. Entretanto, o aluno obviamente não leu nada disso, pois está se alfabetizando! Ou seja, o aluno não tem nem poder nem espaço para “questionar os novos saberes” apresentados pelo professor.

O que se tem aí, portanto, é um método que consiste em transmitir ao aluno verdades prontas, tal como na dita “educação bancária”, mas disfarçado por um processo dialógico manipulado pelo professor, que sonega ao aluno o conhecimento de explicações alternativas e mais sofisticadas do que aquela!

Doutor em Geografia pela FFLCH-USP, professor do Departamento de Geografia da UFPR e colaborador do ESP.”




“Especialistas desconstroem os 5 principais argumentos do Escola sem Partido

21/07/2016

Por Caio Zinet

O movimento Escola sem Partido nasceu em 2003, a partir de uma inciativa do procurador do estado de São Paulo, Miguel Nagib. Durante anos, suas propostas não encontraram eco até que, em 2014, um encontro com a família Bolsonaro mudou essa realidade.

Nesse ano, o deputado estadual do Rio de Janeiro, Flávio Bolsonaro (PSC), pediu para que Miguel escrevesse um anteprojeto de lei. O texto foi, então, apresentado pelo filho do deputado federal Jair Bolsonaro na Assembleia Estadual do Rio de Janeiro. O líder do movimento fez uma versão municipal que foi apresentada pelo outro irmão da família, Carlos Bolsonaro, na Câmara de Vereadores do Rio de Janeiro.

Nagib disponibilizou em seu site os dois anteprojetos e desde então deputados e vereadores, em sua grande maioria ligados a bancadas religiosas, começaram a propor leis em suas respectivas casas legislativas. O projeto já foi aprovado em ao menos três cidades, no estado de Alagoas e tramita em ao menos outros cinco estados e oito capitais.

Saiba + Polêmico, projeto do Escola Sem Partido tramita em 5 estados, 8 capitais e DF

Diante desse histórico, o debate sobre o Escola sem Partido tem ganhado cada vez mais repercussão. Especialistas em educação consideram as propostas do movimento como absurdas do ponto de vista educativo, inconstitucional do ponto de vista jurídico, e uma forma de censurar professores que seriam proibidos de expressarem seus pontos de vista ou interpretações em sala de aula.

O Centro de Referências em Educação Integral perguntou a especialistas em educação quais as razões pelas quais são contrários ao projeto.

Daniel Cara acredita que é impossível existir uma educação neutra. Crédito: Campanha Nacional pelo Direito à Educação

#1. Educação neutra

O artigo segundo do projeto de lei disponível no site do Escola sem Partido define que a “Educação atenderá aos seguintes princípios: neutralidade política, ideológica e religiosa do estado”.

Para o coordenador da Campanha Nacional pelo Direito a Educação,Daniel Cara, a neutralidade absoluta é impossível de ser atingida. “Não é possível (ser neutro) porque qualquer tema que se aborde leva um juízo de valor do professor, o que é importante. O que ele não pode fazer é limitar a aula a seu juízo de valor. Determinar a neutralidade política numa lei é um equivoco absoluto”, afirmou.

Ele cita como exemplo a forma de abordar nas aulas de História a redução da jornada de trabalho e a proibição do trabalho infantil. “Em uma aula de História, quando o professor aborda esses temas, mostrando-se favorável, já considero a existência de um juízo de valor”, afirmou.

Daniel defende que o professor não pode ser impedido de apresentar sua visão de mundo, mas mostrar aos estudantes outras referências para que ele entenda os debates e posições existentes em relação a determinado assunto. “O Paulo Freire dizia que os professores precisam apresentar suas leituras de mundo, mas não podem se limitar a elas”, conclui Cara.

Natacha Costa, durante audiência no Senado / Crédito: Agência Senado

#2. Estudantes são folhas em branco

O movimento liderado por Nagib parte do pressuposto de que os estudantes são “folhas em branco” e que professores se aproveitam da audiência cativa dos alunos para incentivar que eles sigam por um determinado caminho ideológico.

“O professor não se aproveitará da audiência cativa dos alunos, para promover os seus próprios interesses, opiniões, concepções ou preferências ideológicas, religiosas, morais, politicas e partidárias”, define o artigo 5º do projeto de lei.

Para especialistas, o primeiro erro é acreditar que o estudante é uma folha em branco incapaz de formar seu juízo sobre o mundo a partir de experiências, referências e saberes que traz consigo.

“Cada estudante chega à escola com sua história, aprendizados, religião, cultura familiar. O que a escola faz é ensinar a refletir, a duvidar, a perguntar, a querer saber mais. Não existe isso do professor fazer ‘cabeça do estudante’. À medida que o estudante lê, pesquisa, escreve e se aprofunda, ele vai dando sentido pra história dele. Escola é o lugar de muitas opiniões. De ouvir a do outro e formar a própria”, afirmou Pilar Lacerda, diretora da Fundação SM.

Na visão dela, o que não pode acontecer dentro da sala de aula é o professor tentar impor somente sua visão. “É por meio da escuta de todas as opiniões, leituras, excursões, filmes e exposições, que o estudante começa a ter seu próprio repertório, fruto de uma ‘mistura’ entre a escola, a família, a comunidade, a igreja e os amigos. Claro que o professor deve ter sua opinião. Mas o papel dele é mostrar todos os lados e incentivar que todos os pensamentos, todas as cores, estejam ali, dentro da sala de aula. Errado é sair ‘catequizando’ o outro, seja na escola, na igreja ou em uma aldeia”, concluiu Pilar.

Natacha Costa, diretora da Associação Cidade Escola Aprendiz acredita que existe uma assimetria entre estudante e professor, mas que isso não significa que os estudantes são vazios e absorvam tudo o que o docente diz.

“O aluno não é uma folha em branco, pois é um sujeito social, traz uma história, concepções e ideias e isso precisa ser reconhecido. A escola precisa trabalhar para que esse jovem ou essa criança formule hipóteses, interprete o mundo de diferentes maneiras e desenvolva autonomia sobre seu próprio processo educativo. O papel da educação é garantir as experiências para que ele desenvolva uma visão própria sobre o mundo”, afirmou Natacha.

Renato Janine fez duras críticas ao projeto Escola sem Partido em redes sociais

#3. “Meus filhos, minhas regras”

Os defensores do Escola sem Partido defendem que o estudante tem que receber uma educação que esteja de acordo com os princípios da família do aluno. “[A escola] respeitará os direitos dos pais dos alunos a que seus filhos recebam educação religiosa e moral que esteja de acordo com as suas próprias convicções”, estipula o inciso 5º do artigo 5º do projeto de lei.

O professor de Filosofia da Universidade de São Paulo e ex-ministro da educação, Renato Janine Ribeiro, escreveu um texto nas redes sociais manifestando-se contrariamente a essa ideia.

“Um princípio do Escola sem Partido é que não se poderá ensinar nada que enfrente os valores da família do aluno. Quer dizer, se o pai ou mãe for machista, racista – de forma indireta que seja – a escola não poderá ensinar a Declaração dos Direitos do Homem? A extrema direita o que quer? “, afirmou o ex-ministro da Educação.

Ainda de acordo com Janine, é lamentável que, atualmente, o debate público sobre educação esteja sendo dominado pelo assunto, em um contexto no qual há inúmeras prioridades que não estão sendo visibilizadas.

“O pior da “escola sem partido” é que desvia a atenção das questões realmente educacionais – e educativas! Desvia a atenção de nossas falhas na alfabetização, só para começar. Em 2015 divulguei nossos dados: 22% das crianças não sabem ler direito ao fim do 3º ano (na rede pública), 35% não sabem escrever, 57% fazer as operações matemáticas. Em vez de valorizar a alfabetização e tanta coisa mais, querem criminalizar o ensino”, afirmou Janine.

Crédito: AR30mm/Shutterstock

#4. “Ideologia de gênero”

Nos últimos anos, o Brasil vem fazendo um intenso debate sobre o papel da escola e da educação na problematização das desigualdades entre homens e mulheres, e também no combate à homofobia, à transfobia e à violência contra mulheres, gays, lésbicas, transgêneros e transexuais.

Os defensores do Escola sem Partido também propõem que todos esses debates sejam excluídos do ambiente escolar. Assim como integrantes de bancadas religiosas, tais como Marco Feliciano (PSC-SP), esses debates se inserem dentro do que chamam de “ideologia de gênero” que teria, como objetivo, entre outras coisas, influenciar a orientação sexual e identidade de gênero dos estudantes.

“O poder público não se imiscuirá na opção sexual dos alunos nem permitirá qualquer prática capaz de comprometer, precipitar ou direcionar o natural amadurecimento e desenvolvimento da sua personalidade em harmonia com a respectiva identidade biológica de sexo, sendo vedada, especialmente, a aplicação de postulados da teoria ou ‘ideologia de gênero’”, prevê o Projeto de Lei 193/2016 do senador Magno Malta.

“A escola é um ambiente privilegiado para que crianças e jovens aprendam conceitos que irão lhes auxiliar a entender o mundo. Uma proposta de discussão de gênero na escola ambiciona incluir gênero como ferramenta que nos ajuda a entender o mundo e tomar uma posição a respeito das diversas violências que produzimos, reproduzimos e sofremos”, afirmou o doutorando em antropologia social da USP, Bernado Fonseca, no artigo Por que ideologia de gênero? Precisamos falar sobre isso.

#5. Censura

Outra proposta do Escola sem Partido é afixar nas escolas do país cartazes com os deveres do professor com, no mínimo, 70 centímetros de altura por 50 centímetros de largura, e fonte com tamanho compatível com as dimensões adotadas.

Deveres do professor

I – O Professor não se aproveitará da audiência cativa dos alunos, para promover os seus próprios interesses, opiniões, concepções ou preferências ideológicas, religiosas, morais, políticas e partidárias.

II - O Professor não favorecerá, não prejudicará e não constrangerá os alunos em razão de suas convicções políticas, ideológicas, morais ou religiosas, ou da falta delas.

III - O Professor não fará propaganda político-partidária em sala de aula nem incitará seus alunos a participar de manifestações, atos públicos e passeatas.

IV - Ao tratar de questões políticas, sócio-culturais e econômicas, o professor apresentará aos alunos, de forma justa – isto é, com a mesma profundidade e seriedade –, as principais versões, teorias, opiniões e perspectivas concorrentes a respeito.

V - O Professor respeitará o direito dos pais a que seus filhos recebam a educação moral que esteja de acordo com suas próprias convicções.

VI - O Professor não permitirá que os direitos assegurados nos itens anteriores sejam violados pela ação de estudantes ou terceiros, dentro da sala de aula.

Para Daniel Cara, essa proposta criará uma espécie de tribunal pedagógico e é uma forma de censura. “Fixar cartazes cria uma espécie de tribunal pedagógico. Se eu não tiver liberdade para expor honestamente, não serei um bom professor. A educação precisa ser honesta e a honestidade não pode ser encurralada por um tribunal pedagógico dos pais”, afirmou.

O professor da Universidade Federal Fluminense (UFF) e membro da redeProfessores Contra o Escola Sem Partido, Fernando Penna, acredita que a própria concepção prevista no PL cria um ambiente propício para a perseguição política. Ele questiona, por exemplo, como um professor faria para respeitar absolutamente todas as convicções de todas as famílias.

“Qualquer um que tenha um mínimo de experiência em sala de aula nas escolas brasileiras de hoje sabe que é impossível respeitar essa proibição sem comprometer completamente o processo de ensino-aprendizagem. Como evitar a realização de atividades que possam estar em conflito com as convicções religiosas ou morais de pais e responsáveis de todos os alunos? As salas de aula recebem grupos completamente heterogêneos de alunos advindas das famílias mais diversas. Evitar contradizer qualquer convicção religiosa e moral iria efetivamente impedir que o professor realizasse discussões importantíssimas e, até mais do que isso, destruiria o caráter educativo de escola”, afirmou Penna que, recentemente, participou de um debate com Miguel Nagib no canal Futura.

“Essa proibição é inconstitucional, basta ler o artigo 205 da nossa Constituição Federal: ‘A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho’”, completou o docente.”

“Escola Sem Partido - Sala Debate - Canal Futura

O movimento Escola Sem Partido foi criado em 2004 pelo advogado Miguel Nagib, mas ganhou força no início do ano passado com a apresentação do Projeto de Lei nº 867/2015, de autoria do deputado Izalci (PSDB/DF). O objetivo é incluir entre as diretrizes e bases da educação nacional o "Programa Escola sem Partido". Nele, os professores devem seguir cinco orientações sobre como se portar em sala de aula, em nome de uma “neutralidade ideológica” no ensino. O projeto vem sendo duramente criticado por profissionais da educação, enquanto é apoiado por setores mais conservadores da sociedade. O tema ganhou destaque na agenda política e já está com projetos sendo desenvolvidos no plano Federal, Estadual e Municipal. Em Alagoas, sob o nome de “Escola Livre”, o projeto foi aprovado pelos deputados, vetado logo na sequência pelo governador, mas ainda assim foi publicado no Diário Oficial devido à derrubada do veto pelos mesmos deputados. 

A discussão sobre o Escola Sem Partido passa principalmente pelo papel que atribuímos às escolas. Enquanto os apoiadores defendem que a formação moral do cidadão deve ser restrita ao âmbito familiar, profissionais da educação ressaltam a importância do ambiente escolar para ensinar valores como diversidade, igualdade e inclusão, por exemplo, através do convívio e aprendizado de questões que vão além do espaço familiar/privado, entrando no social/público. 

Até mesmo a constitucionalidade do projeto é debatida por advogados, já que em seu artigo 205 a Constituição Federal afirma: “A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho”. A tentativa de abolir os direitos do professor chega ao extremo na justificativa do projeto, na qual se afirma explicitamente que “não existe liberdade de expressão no exercício estrito da atividade docente”, ou seja, a proposta usurpa dos professores a liberdade de expressão, garantida a todos os cidadãos brasileiros pela Constituição Federal (Art. 5º, IX).”

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